quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Amazônia Centro do Mundo: Agricultor jurado de morte por grileiros e fazendeiros teve de sair da sua cidade


“Eu só quero viver bem e em paz. Mas não consigo viver só eu “bem”, quero passar esse “bem” pros outros. Então essa é a função do meu trabalho, é tentar passar essa visão do que eu vivo pras outras comunidades.”



Durante a cerimônia de abertura do evento Amazônia Centro do Mundo, Erasmo Alves Teófilo pediu desculpas à população indígena pela violência cometida contro os povos da floresta.  #PraCegoVer: Na foto, ele está em pé, na frente de um cartaz e de uma mulher, e a seu lado há duas mulheres sentadas junto a uma mesa. Com uma mão ele segura um microfone; a outra mão está levantada, gesticulando. Foto feita por Clara Glock 


Pequeno agricultor de Anapu, no Pará, Erasmo Alves Teófilo teve de sair da cidade porque está ameaçado de morte. Só em dezembro de 2019, duas lideranças da região foram assassinadas porque defendiam os direitos da população local, e uma cometeu suicídio. Ali, e em outros pontos do Brasil, indígenas e ribeirinhos enfrentam o avanço das milícias de fazendeiros, madeireiros e grileiros que contam com a impunidade e com o avanço de leis aprovadas pelo Governo Federal para derrubar matas e tirar à força os povos originais e colonos de seus territórios (veja no quadro que acompanha esta entrevista).

Teófilo, 31 anos, é presidente da Cooperativa da Volta Grande do Xingu e da Associação dos Moradores do Flamingo Sul, no km 80 da Transamazônica. Também representa as comunidades dos lotes 96 e 97 da Gleba Bacajá, no interior de Anapu, no Pará. Até dezembro de 2019 vivia em Anapu, hoje está foragido devido à ameaça de morte que recebeu de grileiros e fazendeiros da região conhecidos de toda a população como o “sindicato do crime”.

São as mesmas pessoas que, direta ou indiretamente, foram arroladas pela Justiça por participação no assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang, em 12 de fevereiro de 2005, e, mais recentemente, se tornaram suspeitos pela morte, em 4 de dezembro de 2019, do líder dos sem-terra na cidade, Márcio Rodrigues dos Reis, e, em 9 de dezembro de 2019, do ex-vereador e conselheiro tutelar Paulo Anacleto – amigo de Teófilo.

Nesta entrevista feita por telefone, Teófilo explica por que está sendo ameaçado e diz que teme pela continuidade de uma luta que não é só sua, é pela natureza e pelo direito de viver de todos e todas.



Leia a entrevista completa feita com Teófilo para o jornal Extra Classe, clicando AQUI








NA DÚVIDA SOBRE COMO COLABORAR E O QUE FAZER? JUNTE FORÇAS! 

Diante dos assassinatos no campo e na floresta, perguntei ao representante do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) Sul, Roberto Liebgot, e ao representante nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Paulo Cesar Moreira, de que forma as populações do Sul e de outras regiões do Brasil podem se somar à luta pelos direitos dos povos originários e dos agricultores e colonos, em defesa da vida e do meio ambiente. 

Essas foram suas respostas: 
Roberto Liebgot, do CIMI Sul - “Informem-se acerca da realidade e tomem posições públicas na defesa dos direitos indígenas - não como direitos isolados, mas como direitos comuns. Porque, quando se nega a terra aos indígenas, se nega o respeito ao meio ambiente, se nega o respeito à diversidade étnica e cultural, se negam perspectivas de construção de uma sociedade diferenciada, em que todos os povos, todas as comunidades, todas as pessoas tenham condição de contribuir, de serem sujeitos na construção de uma sociedade diferente, plural, respeitosa. Se nega também o direito do trabalhador rural, do pequeno agricultor, dos sem-terra, dos sem-teto. Então, é uma composição de fatos que se somam. Há necessidade de juntar forças para enfrentar e combater essa política proposta pelo Estado de corrosão dos direitos, tanto do direito individual de cada um, como de direitos coletivos”. 

Paulo Cesar Moreira, da CPT – “O aumento da violência e do desemprego afeta a população no geral, mas a população pobre está sendo renegada à fome, e está (mais) à mercê das violências. Vivemos um momento de tentativa de extermínio dessa população pobre, seja ela LGBT, negra, ou populações que lutam pelos direitos no campo. É um momento de negação de direitos e de tudo o que a gente conseguiu construir e colocar na Constituição Federal. A sociedade em geral, assim como lideranças de diversos níveis, inclusive nas universidades e nas escolas, tem que ter clareza disso, porque há uma perspectiva de aumento da concentração do privilégio dos ricos em detrimento do direito à comida, do direito básico de existir. Por isso, a gente está iniciando o ano com violência contra os povos indígenas e contra tantas outras pessoas pelo simples fato de serem o que são. É fundamental falar sobre isso, para nos organizar e tentar revogar a legislação contrária à vida”. 






SAIBA MAIS 


EMERGÊNCIA CLIMÁTICA - O assassinato de indígenas, agricultores, todos e todas que lutam pela preservação das florestas e matas, tem relação direta com a emergência climática. Grupos da sociedade civil do Brasil que participaram da Conferência do Clima (COP 25) em dezembro de 2019 em Madri, na Espanha, lançaram uma declaração conjunta falando disso. Leia o documento na íntegra clicando AQUI. 



ASSASSINATOS NO CAMPO – A Comissão Pastoral da Terra (CPT), órgão ligado à CNBB, divulgou em 20 de dezembro de 2019 números parciais de um levantamento que indica 29 assassinatos em conflitos no campo entre janeiro e dezembro de 2019, sendo 25 na Amazônia Legal, o equivalente a 86% do total. O Estado do Pará lidera o ranking com 12 assassinatos, seguido pelo Amazonas, com cinco, e Mato Grosso e Maranhão, ambos com três. Os trabalhadores rurais, sem terras e assentados, entre outros, somam 21 vítimas, ou seja, 72% das mortes. Até 20 de dezembro de 2019, oito indígenas haviam sido assassinados, dos quais sete eram lideranças – número mais alto dos últimos 11 anos. Em janeiro de 2020, houve novos atentados contra indígenas e agricultores. Leia clicando AQUI. 


TERRAS INDÍGENAS INVADIDAS - Dados preliminares de um levantamento do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) divulgado em setembro de 2019 apontam para um aumento de “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio dos povos indígenas”. Em todo o ano de 2018, o Cimi contabilizou 111 casos de invasão ou exploração ilegal de recursos em 76 terras indígenas diferentes, distribuídas em 13 Estados; os 160 casos contabilizados até setembro de 2019 afetaram 153 terras indígenas em 19 Estados do Brasil. Leia clicando AQUI.


IMPUNIDADE – Conforme levantamento da CPT, entre 1985 e 2018, somente 117 dos 1.468 casos de assassinatos em conflitos de terra foram julgados em alguma instância. Neste período, foram registrados 1.940 mortos. O maior número de assassinatos – 484 casos, com 724 vítimas – aconteceu no Estado do Pará, onde apenas 22 casos foram a julgamento, resultando em 13 mandantes e 18 executores condenados, e quatro mandantes e 160 executores absolvidos. No Maranhão, dos 157 casos de violência registrados, com 168 mortos, apenas seis foram julgados. Nenhum mandante foi condenado. Veja no quadro abaixo:



LEGISLAÇÃO RECENTE OFICIALIZA GRILAGEM - No dia 10 de dezembro de 2019 foi sancionada pelo Governo Federal a Medida Provisória 910 , que vai facilitar a legalização da grilagem. Há uma tendência de aumentar a violência sobre os territórios de indígenas que estão em disputa há muito tempo por ruralistas e empresas interessadas nas riquezas minerais e madeiras existentes nestes locais.  Acesse clicando AQUI o conteúdo da Medida Provisória


SITUAÇÃO DOS INDÍGENAS NA REGIÃO SUL – Segundo dados do CIMI Sul, na Região sul, assim como no Sudeste e Centro-Oeste, em geral as comunidades indígenas vivem em situação de vulnerabilidade, em áreas não demarcadas, onde o ambiente não é adequado na perspectiva da autossustentabilidade, porque as águas de rios e córregos estão contaminadas, o que gera problemas de saúde. Especialmente no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, centenas de comunidades estão em acampamentos, nas margens de rodovias, sem condição de exercer nesses espaços uma vida condizente com o modo de ser dos povos indígenas, sua cultura, religiosidade e cosmovisão. No Rio Grande do Sul, são mais de 100 áreas indígenas. Destas, não chegam a 15 as áreas que se encontram efetivamente regularizadas. O mesmo acontece com as comunidades quilombolas - só no Rio Grande do Sul são mais de 130 comunidades. Todas foram alvos dos discursos racistas do governo brasileiro, que se nega a cumprir o que a Constituição Federal estabelece, que é demarcação das terras e a garantia de uma assistência digna, respeitosa, e diferenciada. 




LEIA TAMBÉM 


Reportagens e entrevistas sobre a violência relacionada à regularização fundiária, demarcação de terras e reforma agrária na Amazônia Legal

Leia clicando AQUI



Reportagens e entrevistas com os povos da Amazônia

Leia clicando AQUI



Observatório do Agronegócio no Brasil
Leia clicando AQUI