sábado, 8 de fevereiro de 2020

Em Anapu (e na Amazônia), todos estão em perigo

CONFIRA HISTÓRIAS DE LUTA E RESISTÊNCIA EM ANAPU, NO PARÁ


Apesar das ameaças, o agricultor Erasmo Teófilo voltou a Anapu, no Pará, acompanhando famílias que aguardam o reconhecimento do direito a viver na área de onde tiram seu sustento (foto abaixo). 


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#PraTodoMundoVer: Ao centro, Teófilo e a companheira, Natalha Lopes Correia, que representa o Mocambo-Movimento Afrodescendente do Pará. Ao redor deles estão representantes da Associação de Docentes da Universidade Federal do Pará (Adufpa), do Movimento Xingu Vivo para Sempre, e da Central Sindical e Popular (CSP) Conlutas Pará, que prestaram apoio, e integrantes da comunidade do lote 96 de Bacajá. Foto: Arquivo Pessoal 





Irmã Jane e irmã Katia (foto abaixo), companheiras de Dorothy Stang - cujo assassinato, a mando de fazendeiros, completa 15 anos em 2020 -, acreditam que a luta passa pela educação e pela união entre trabalhadores e juventude.

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 #PraTodoMundoVer: irmão Jane (às esquerda) e irmã Katia estão em pé, no pátio da Universidade Federal do Pará, e seguram no colo duas crianças indígenas. Irmã Jane está sorrindo e olha para a câmera. Irmã Katia olha para a criança em seu colo. Foto: Clarinha Glock



Aqui a versão original dos textos:


Teófilo voltou para Anapu, e a situação é tensa



#PraTodoMundoVer: Teófilo está no centro da foto, junto à cadeira com a qual se locomove, no pátio de sua casa. Foto: Arquivo Pessoal


Um clima de tensão marcou a volta de Erasmo Alves Teófilo a Anapu, no Pará, no último dia 30 de janeiro. Teófilo teve de deixar a cidade em dezembro de 2019 devido a ameaças de morte que passou a receber desde que começou a liderar a luta das comunidades dos lotes 96 e 97 da Gleba Bacajá, no interior de Anapu, pela posse da terra onde vivem (veja matéria no Extra Classe*). As áreas estão em disputa na Justiça com o fazendeiro e grileiro Antônio Borges Peixoto. No dia 29 de janeiro havia acabado o prazo de um acordo judicial que permitia a Peixoto entrar no curral para vacinar seu gado enquanto não sai a decisão judicial de reintegração de posse ajuizada por Peixoto em desfavor das 54 famílias de agricultores.

O curral fica próximo à casa do agricultor Antonio Pereira de Souza, que retornou junto com Teófilo ao local. Dias antes, homens armados haviam intimidado um outro agricultor no terreno. A promotora Nayara Santos Negrão, titular da 6ª Promotoria Agrária de Altamira, está acompanhando o caso. 

Segundo a promotora, nos autos da ação de reintegração de posse Peixoto informou que as famílias estariam praticando danos ambientais na área, o que não foi confirmado pela Delegacia de Conflitos Agrários (DECA) – o relatório indica que o desmatamento era anterior. “O processo está em fase de instrução, tendo sido determinado pelo Juiz da Vara Agrária que a Defensoria Agrária e o Ministério Público Agrário fossem intimados para se manifestar sobre o relatório da DECA”, observou.  

Teófilo vai continuar em Anapu sob proteção do Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos - uma equipe da Polícia Militar do Pará vai manter vigilância de sua casa.  Ele teme por sua vida: “É a mesma polícia que acompanha Peixoto, mas tenho que continuar aqui, porque o processo está no final, e quero cumprir meu objetivo”. A luta de Teófilo é para que as famílias possam seguir no local de onde tiram seu sustento. 

No caso de ser negada a reintegração de posse, Peixoto tem vai ter de deixar definitivamente a área. Ele já foi multado em cerca de R$ 900 mil pelo não cumprimento do acordo judicial, e ainda responde na Justiça por ameaça e invasão de domicílio. Segundo informações de moradores de Anapu, os fazendeiros da região têm se reunido desde que Teófilo voltou à cidade. Essa movimentação provoca apreensão. Dezenove pessoas foram assassinadas em Anapu desde 2015, de acordo com relatório da Comissão Pastoral da Terra. No dia 12 de fevereiro de 2005, completam 15 anos do assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang. Para marcar essa data, haverá romarias e homenagens. Dos 19 crimes cometidos contra agricultores, a maioria permanece impune. 

Leia entrevista com Teófilo publicada no jornal Extra Classe: 






15 anos do assassinato de Dorothy Stang: 

educação e união como forma de resistência



#PraTodoMundoVer: irmã Katia (á esquerda) e irmã Jane estão em pé, em frente a uma árvore, no pátio do campus da Universidade Federal do Pará. Elas olham para a câmera e sorriem. Vestem a camiseta branca com o logotipo do evento Amazônia Centro do Mundo. Bem ao fundo, está o rio Xingu.

No próximo dia 12 de fevereiro de 2020, completam-se 15 anos do assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang, 73 anos, em uma estrada de Anapu, Pará, com seis tiros, a mando de fazendeiros. Dorothy ajudou a implantar o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Esperança, um modelo alternativo ao sistema de exploração do agronegócio. Desde sua morte, uma vez por mês acontece na cidade uma reunião do Comitê em Defesa de Anapu (CDA). No dia 12, romarias e homenagens vão lembrar o crime contra Dorothy Stang e as ameaças contra defensores da preservação da Amazônia e dos direitos dos povos da floresta.

Em novembro de 2019, as irmãs Jane Dwyer e Katia Webster, companheiras de Dorothy Stang, estiveram no encontro Amazônia Centro do Mundo realizado na Universidade Federal do Pará, em Altamira. Na ocasião, foram entrevistadas pelo jornal Extra Classe. Irmã Katia acompanhou a conversa, e fez uma pequena intervenção ao final. As duas afirmaram a importância da educação como forma de resistência. Contatada novamente em fevereiro de 2020, por telefone, irmã Jane comentou que teme pelas ameaças aos defensores de direitos humanos, como Erasmo Teófilo, entrevistado pelo Extra Classe. E adiantou as propostas que serão levadas por trabalhadores de Anapu ao Congresso da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em julho deste ano, em Marabá (PA).

Extra Classe: O que é discutido no Comitê em Defesa de Anapu?

Irmã Jane: É o lugar em que o povo vai para conversar, partilhar dificuldades e procurar, juntos, saídas viáveis. Nesse último (na ocasião, ela se referia a novembro de 2019), tivemos uma oficina sobre cacau e “cabruca”. “Cabruca” é aprender a tirar uma árvore para ter luz, mas não desmatar. Vieram jovens da Casa Familiar Rural, que ajudamos a criar. Houve um momento de paixão e troca entre trabalhadores e a juventude. Os trabalhadores falaram sobre os problemas da agricultura familiar e mostraram como enxertar e clonar cacau. Havia jovens de 12 a 16 anos. No outro dia, eles se uniram a mais uns 60 jovens, entre 10 anos e 18 anos, uma mistura de gente da igreja adventista de São Rafael, local onde Dorothy está enterrada, para ajudar a limpar o rio.

Extra Classe: Qual a importância desses encontros?

Irmã Jane: De repente casou a caminhada dos trabalhadores mais velhos e a juventude do município. Estamos muito animadas. São filhos e filhas de famílias de Anapu que lutam por um pedaço de terra.

Extra Classe: Desde 2015, segundo a CPT, houve 19 assassinatos de lideranças e agricultores em Anapu. Como é viver sob ameaça?

Irmã Jane: A gente tem que aprender a defender uns aos outros, tomar cuidados, mas não deixar de lutar. Todo mundo em Anapu está em perigo. Daqueles que foram assassinados de 2015 até hoje, o primeiro era um jovem de 17 anos, Hércules. De lá pra cá foram assassinados também o tio e um primo dele. Ninguém foi preso pela morte de Hércules. Ao lado do túmulo de Dorothy, junto ao Centro de Formação São Rafael, há uma cruz vermelha onde estão escritos os nomes de todos que foram assassinados.

Extra Classe: Vocês vão levar um documento ao V Congresso Nacional da CPT, de 12 a 16 de julho deste ano, em Marabá. O que diz o documento?

Irmã Jane: O Congresso tem três eixos: rompendo cercas, tecendo teias, e criando produção e vida. Escolhemos o tema “rompendo cercas para tecer e produzir” (ver quadro abaixo). Os trabalhadores vão estar lá para dar exemplos concretos de algumas ações. Entre as propostas, está a de acolher e integrar cada vez mais a juventude através da interação com a Casa Familiar Rural e os vários grupos de jovens. Na produção, queremos continuar as oficinas, fortificar a força coletiva, criar e renovar viveiros para reflorestar, e continuar a tradição de troca de sementes e mudas.

Extra Classe: A cidade de Anapu surgiu a partir da construção da Transamazônica e da colonização da época. Que mensagem vocês enviariam para a população do Sul do país sobre a importância da Amazônia?

Irmã Jane: Quem está na Amazônia defende o clima do Rio Grande do Sul, tanto quanto o daqui e do resto do mundo. Como se pode perder uma beleza e uma riqueza dessa, assim, nas mãos dos predadores? A terra não pertence aos indígenas e nem a nós. Nós é que pertencemos à terra e somos responsáveis por cuidar dela.

Irmã Katia: Antigamente os estudos amazônicos faziam parte do currículo nas escolas do Norte. Agora, não mais. Então, o desafio é recolocar a Amazônia no currículo, não só da educação formal, como da educação popular, dentro do contexto do Brasil e da América Latina, geograficamente, cientificamente, politicamente. Os jovens querem nos dizer o que precisam para ser gente e criar-se neste mundo. Então, cabe a nós, que somos um pouco mais velhas, criar espaços onde possam falar e nós escutarmos


Trecho do Relatório que será levado por trabalhadores de Anapu para o Congresso da CPT em julho, em Marabá (Pará)


Rompendo as cercas de Contratos de Alienação de Terras Públicas (CATPs):

- de grileiros, madeireiros, mineradoras, políticos
- de assassinatos de 19 companheiros desde 2015
- da perca de companheiros e companheiras com a vida ameaçada
- das ameaças contínuas, abertas e veladas, de perder as terras depois de tantos anos de luta
- do medo da violência


Tecendo...

- nos organizando por comunidade, lote, região, município, estado
- aprofundando nossas motivações e nossa fé na base comunitária e coletiva de nossa caminhada (místicas, estudos bíblicos)
- nos mantendo informados, atualizados, atentos às ameaças ao nosso redor (jornais populares, encontros de formação)
- mantendo nosso Comitê em Defesa de Anapu (CDA) e as reuniões mensais
- cuidando e convivendo com as viúvas e órfãos de nossos companheiros
- lembrando e celebrando sempre nossas e nossos companheiros e companheiras assassinados/as em 12 de fevereiro, Romaria da Floresta