Quando ajudei a fundar o Boca de Rua, em 2000, até desconfiava, mas não tinha certeza do quanto um projeto de jornal feito por pessoas em situação de rua poderia ser útil para quem mora em Porto Alegre. Do ponto de vista dos leitores, para que pudessem se aproximar de uma nova realidade que eles preferiam ignorar. Meu, como jornalista, do quanto estava devendo para os leitores com matérias superficiais sobre uma realidade tão próxima. E para os próprios executores do projeto - as pessoas que, afinal, usariam o espaço para contar sobre seus sonhos, medos, desejos, dificuldades - um canal de discussão de cidadania e de retomada de auto-estima e de dignidade. Além, é claro, de uma fonte alternativa de renda: eles fazem o jornal, eles vendem o jornal, o dinheiro da venda é deles.
No periodo entre 2000 a 2007, quando participei do grupo, tive a oportunidade de conhecer pessoas com um potencial surpreendente de trabalho, criatividade e perseverança escondido sob roupas maltrapilhas e bagagens entulhadas de dor e abandono. Repensei conceitos e valores. Aprendi um pouco mais sobre a vida.
Ao deixar o Boca de Rua para partir para novos projetos, percebi que há uma parte da história desta e de outras pessoas que tenho o privilégio de conhecer como jornalista que ainda precisam ser contadas. Idéias e Experiências pretende ser um espaço - desorganizado, livre, espontâneo - para canalizar estas histórias. Quero contar sobre o Neri percussionista e idealizador da grife do Boca de Rua, ainda inédita, e sobre o Clóvis, fotógrafo itinerante do grupo. Quero lembrar de Alca, sensível, agitador, esclarecido, uma alma com vozeirão. Do Mercedez (na foto, feita por mim em maio de 2001), criador do RAP que virou quase um hino do jornal. Todos já falecidos, porque os vivos continuam falando por si mesmos nas páginas do jornal e agora, espero, também através deste blog.Boca de Rua é um projeto em construção. Este blog também, assim como os outros projetos que virão.